Proibição da Cripto “$EIKE” pela CVM: O que houve de errado?
No início de abril de 2025, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu a Deliberação nº 898, por meio da qual determinou a imediata cessação da oferta pública do ativo digital denominado “$EIKE”, emitido e promovido por pessoas físicas e jurídicas associadas ao empresário Eike Batista. A medida acendeu um importante sinal de alerta para o mercado de criptoativos no Brasil: o de que há limites jurídicos bem definidos para a oferta de tokens, especialmente quando esses assumem as características de contratos de investimento coletivo — expressão jurídica que, conforme veremos, carrega consigo todo o rigor da Lei nº 6.385/76.
Segundo a própria notícia publicada no site da CVM, o grupo envolvido na emissão e comercialização da cripto $EIKE promovia eventos presenciais em território nacional, publicações em redes sociais direcionadas ao público brasileiro e a oferta direta por meio do site eiketoken.com. Tais condutas, por envolverem a captação pública de recursos com promessa de remuneração futura decorrente do esforço de terceiros, foram enquadradas como oferta irregular de valores mobiliários.
O que caracteriza um valor mobiliário?
A legislação brasileira, em especial o art. 2º, inciso IX, da Lei nº 6.385/76, inclui expressamente os contratos de investimento coletivo no rol de valores mobiliários, desde que preencham determinados requisitos: (i) aporte de recursos; (ii) expectativa de retorno; (iii) esforço de terceiros como fator determinante para esse retorno. Neste artigo aqui, já discutimos a relevância de identificar corretamente quando um criptoativo ultrapassa a mera representação digital de valor e passa a ser um instrumento sujeito à regulação do mercado de capitais.
O caso da $EIKE, sob a ótica técnica, preenchia todos os critérios que caracterizam um contrato de investimento coletivo. Todavia, não houve qualquer submissão à CVM para fins de registro, tampouco para obtenção de dispensa. Assim, a atuação sem autorização foi considerada infração direta ao art. 16 da mesma lei.
O que o empresário poderia ter feito?
Ao lançar um projeto de tokenização com apelo público, especialmente no Brasil, é dever do empreendedor buscar orientação jurídica especializada. Um simples passo na direção certa — a contratação de um advogado experiente em ativos digitais e compliance regulatório — poderia ter evitado toda a exposição regulatória que resultou na proibição da $EIKE.
O advogado, ciente das obrigações impostas pela Lei nº 6.385/76, poderia: (i) sugerir o redirecionamento da oferta para o mercado externo com aplicação de bloqueio geográfico (“geoblocking”); (ii) orientar sobre a necessidade de registro ou pedido de dispensa junto à CVM; (iii) construir um parecer jurídico robusto que antecipe o entendimento da Autarquia; ou ainda (iv) redesenhar a estrutura jurídica e contratual do ativo para que ele não fosse enquadrado como valor mobiliário.
Muitas dessas medidas fazem parte da metodologia de implementação de programas de conformidade (compliance) que vêm sendo aplicadas nas exchanges e prestadoras de serviço de ativos virtuais. Se você deseja compreender toda a legislação vigente e como implementar tais medidas, recomendamos fortemente a leitura deste conteúdo completo: toda a legislação dos criptoativos e como implementar o compliance nas exchanges.
Reflexos no mercado e atenção ao futuro
A Deliberação 898/2025 é, sem sombra de dúvidas, um marco importante na atuação repressiva da CVM em relação a ofertas irregulares de tokens com aparência de investimento. Esse tipo de fiscalização tende a se intensificar, especialmente diante da nova fase de regulamentação conduzida pelo Banco Central por meio das Consultas Públicas 109 e 110/2024.
A mensagem é clara: não há mais espaço para improvisos no mercado de ativos virtuais. A sofisticação técnica da atuação dos reguladores exige uma postura jurídica proativa, estratégica e formalmente ancorada nas normas vigentes. A atuação preventiva, através da análise de risco regulatório e estruturação contratual adequada, deve ser vista não como um custo, mas como um investimento indispensável à perenidade das operações.