Por Alvaro Rocha
Confira toda a legislação dos criptoativos – atual - e como implementar o compliance nas Exchanges
Considerando que até a presente data, o regulamento detalhado por parte do Bacen ainda não foi emitido, há vasta legislação em vigor sobre o tema sendo recomendável que as prestadoras de serviços de ativos virtuais, ou Exchanges de ativos virtuais, estejam em compliance com o que há no cenário regulatório da criptoeconomia.
Neste artigo será apresentado o que há de normas em sentido amplo e como as exchanges podem incorporar essa oportunidade para implementarem as disposições de modo que, com advento das demais normas competentes, boa parte delas já tenham sido implementadas, a seguir, confira as principais:
Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022
Estabelece diretrizes para o mercado de ativos virtuais e para a prestação de serviços de ativos virtuais no Brasil.
- Define ativos virtuais e seus prestadores de serviços.
- Estabelece obrigações para as empresas que operam com ativos virtuais, incluindo requisitos de autorização e conformidade.
A Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022 é conhecida popularmente como “marco cripto” ou “Lei dos criptoativos” apesar de a terminologia correta ser “ativos virtuais”. A lei apresenta as diretrizes gerais para a condução da atividade de prestação de serviços de ativos virtuais.
Apesar de a Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.888, de 3 de maio de 2019 tratar de compliance tributário dos ativos virtuais, a Lei nº 14.478 é o marco legal que organiza todo o cenário regulatório dos ativos virtuais, pelo menos as disposições gerais.
É a partir desta norma que o CCO de uma Exchange ou gestor de projetos pode desenvolver as bases do planejamento da implementação do programa de compliance da organização, reunindo informações sobre suas atividades desenvolvidas que sejam ou não objeto da disciplina da lei, entre diversos outros temas ali dispostos.
Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.888, de 3 de maio de 2019
Dispõe sobre a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos.
- Define as obrigações acessórias para os prestadores de serviços de criptoativos e para os usuários.
A Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.888, de 3 de maio de 2019 trata do compliance tributário na atividade das prestadoras de serviços com ativos virtuais. A norma institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).
Aqui, entendemos que o legislador foi feliz em todo o desenvolvimento desta norma. Isso porque muitas de suas disposições superam a simples obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com ativos virtuais.
Existem procedimentos conhecidos como “KYT” similar ao KYC, porém trata-se do Know Your Transaction através do qual é possível identificar o contexto detalhado no qual houve as transações com os ativos virtuais.
Os principais temas a organizar no planejamento do compliance sobre esta instrução normativa, são:
- Obrigatoriedade de prestação de informações;
- Informações sobre operações com criptoativos;
- Prazo para prestação das informações;
- Penalidades;
Circular do Banco Central do Brasil nº 3.978, de 23 de janeiro de 2020
Regula a política, os procedimentos e os controles internos a serem adotados pelas instituições financeiras para a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, incluindo operações com ativos virtuais.
A prestação de serviço de ativos virtuais submete-se à Circular do Banco Central do Brasil nº 3.978, de 23 de janeiro de 2020. Isso porque, tal norma dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles internos a serem adotados pelas instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
É o caso das “Prestadoras de serviços de ativos virtuais” (art. 2°, lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022). Neste sentido, a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022 e seu respectivo decreto (DECRETO Nº 11.563, DE 13 DE JUNHO DE 2023) definiram a competência do Banco Central do Brasil – Bacen - como regulador deste mercado e, entre suas diversas competências, há disposições sobre a autorização do funcionamento ou não das prestadoras de serviços de ativos virtuais.
Os principais itens a serem inseridos no desenvolvimento do compliance baseado na circular nº 3.978 são:
- Da política de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e sua governança;
- Avaliação de risco;
- Procedimentos destinados a conhecer os clientes (KYC);
- Registro de operações;
- Monitoramento, da seleção e da análise de operações e situações suspeitas;
- Procedimentos de comunicação ao COAF;
- Acompanhamento e controle;
- Da avaliação de efetividade.
Ofício Circular emitido em 04/04/2023, nº 4/2023/CVM/SSE
Objeto: Os CriptoAtivos e o Mercado de Valores Mobiliários.
De acordo com o item 8 do ofício, o qual resume de forma geral seu entendimento:
Nesse sentido, esta SSE vem divulgar aos agentes envolvidos, notadamente as “exchanges” ou “tokenizadoras”, mas também aos emissores, cedentes, consultores e estruturadores, o seu entendimento sobre a provável natureza de valor mobiliário dos TR cuja oferta pública é equiparável à operação de securitização de que trata a Lei nº 14.430/2022 ou oferta de contrato de investimento coletivo (“CIC”) prevista no art. 2º, inciso IX, da Lei nº 6.385, de 1976.
TR, nesse contexto, trata-se de “Tokens de Recebíveis ou tokens de renda fixa”. Perceba que a própria CVM ainda não solidificou sua visão sobre o tema quando expressa “a provável natureza de valor mobiliário dos TR “. Isso porque, a autarquia entende que os TR podem ser equiparados a contrato de investimento coletivo, e ao mesmo tempo pode ser equiparado a certificado de securitização.
Ou seja, se o TR (tokens de renda fixa ou tokens de recebíveis) for emitido na forma de securitização ou de oferta de contrato de investimento coletivo (“CIC”) há “provável” natureza de valor mobiliário.
Também, importante registrar que a tokenização em si não está sujeita – regra geral - à prévia aprovação ou registro na CVM, exceto se vierem a ser emitidos valores mobiliários com fins de distribuição pública, tanto os emissores quanto a oferta pública de tais tokens estarão sujeitos à regulamentação aplicável, mas isso é um tema que a depender do caso concreto pode ensejar vários desdobramentos.
A equipe
É fundamental que a Exchange possua um Chief Compliance Officer – CCO interno ou contratado que possua experiência em gestão de projetos e conhecimento do mercado de ativos virtuais, regulatório financeiro e principalmente da operação da Exchange.
Recomendamos a figura do CCO considerando que se trata de um profissional experimentado nas legislações de prevenção à lavagem de dinheiro e fraude, o que pode certamente ser um diferencial no apontamento e rápida tomada de decisão sobre cenários que apresentem riscos de não conformidade ou red flags que demandem medidas pontuais.
Muitos clientes questionam se este profissional necessariamente deva ser um advogado ou não. A resposta é depende. Isso porque, até o presente momento, não foi emitida norma disciplinando sobre como deva ser tratado este tema, fato é que o profissional deve entender bem o contexto e carregar certa bagagem de domínio burocrático e regulatório para então trafegar pelos desafios do dia a dia liderando a implementação do que for necessário.
Equipe de apoio
Considerando que as exchanges em sua grande maioria, senão quase todas, possuem espírito disruptivo, inovador e dinâmico, é recomendável que a equipe de apoio, inicialmente, seja composta de alguns colaboradores e parceiros estratégicos da própria Exchange, respeitadas as devidas proporções.
Há diversos benefícios sobre a presença destes profissionais no circuito de trabalho. Isso porque eles conhecem as pessoas chave, os desafios do dia a dia e podem apontar cenários onde se possam sinalizar no road map de trabalho do cronograma do projeto de implementação.
A presença dessas pessoas é valiosa devido ao seu histórico na organização. Recomenda-se que estes colaboradores sejam submetidos à due diligence para evitar qualquer surpresa, afinal, em cenário de compliance e conformidade é mister da função o pilar clássico do programa: “monitoramento”.
Monitores de Compliance
Os monitores de compliance são profissionais estratégicos. Eles são colaboradores e até em alguns casos, prestadores de serviços que passaram por due diligence, foram treinados pelo compliance e são os “olhos” do compliance onde os profissionais específicos do departamento não conseguem alcançar.
É recomendável que essas pessoas estejam em posição que evite o conflito de interesses e provoque retaliações cruzadas.
Novas consultas públicas do Bacen e o futuro da regulação dos criptoativos
O Banco Central tem emitido novas consultas públicas para desenvolver o conjunto normativo necessário, conforme falamos neste post.
Consultas Públicas nº 109 e 110 do Bacen: Novas Diretrizes para o Mercado de Ativos Virtuais
A publicação dos Editais de Consultas Públicas nº 109 e 110 pelo Banco Central representa um marco na trajetória regulatória dos criptoativos no Brasil. O objetivo dessas consultas é estabelecer um ambiente regulatório que não apenas resguarde os interesses dos investidores e usuários, mas também garanta que as PSAVs operem dentro de um regime de governança compatível com o nível de risco inerente ao setor.
A relevância dessas consultas públicas deve ser analisada sob a ótica da necessidade de segurança jurídica e previsibilidade regulatória para o setor de ativos virtuais, especialmente em um ambiente onde a inovação tecnológica e a descentralização desafiam os modelos tradicionais de supervisão financeira. O Bacen, ao abrir espaço para contribuições da sociedade e dos players do mercado, demonstra seu compromisso com uma regulação equilibrada e pautada pela transparência, conforme já observado em outras iniciativas regulatórias do Sistema Financeiro Nacional.
Ao longo deste texto, serão explorados os aspectos fundamentais das Consultas Públicas nº 109 e 110, seus impactos sobre as exchanges e as diretrizes de compliance que emergem a partir dessas normativas.
Principais Propostas da Consulta Pública nº 109/2024
A Consulta Pública nº 109/2024 tem como escopo principal a regulamentação das PSAVs, incluindo sua classificação e os requisitos mínimos para operação. O Bacen propõe uma segmentação das prestadoras de serviços em três categorias distintas: intermediárias, custodiantes e corretoras, sendo que cada uma dessas modalidades deverá atender a requisitos específicos de capital e governança.
Essa diferenciação reflete uma preocupação regulatória já observada em mercados internacionais, como os Estados Unidos e a União Europeia, onde a abordagem baseada em riscos tem sido adotada como um dos princípios fundamentais da supervisão de criptoativos. No Brasil, a imposição de um patrimônio líquido mínimo para cada categoria de PSAV busca mitigar os riscos sistêmicos e garantir que as empresas do setor tenham condições financeiras para lidar com eventualidades, como ataques cibernéticos, volatilidade do mercado e insolvência de clientes.
O Bacen também estabelece uma série de restrições às atividades das PSAVs, impedindo, por exemplo, que atuem simultaneamente como prestadoras de serviços de custódia e de intermediação, a fim de evitar conflitos de interesse. Esse ponto ressoa com as diretrizes do Financial Stability Board (FSB), que recomenda segregação funcional entre diferentes tipos de serviços financeiros no mercado cripto para reduzir riscos de colapsos semelhantes ao da FTX.
Essa regulamentação impõe um desafio considerável para as exchanges que operam no Brasil, pois muitas precisarão reestruturar seus modelos de negócios para se adequarem à nova categorização e atenderem às exigências patrimoniais mínimas.
Processos de Autorização e Funcionamento das PSAVs: Consulta Pública nº 110/2024
Enquanto a Consulta nº 109 trata da categorização e dos requisitos prudenciais das PSAVs, a Consulta nº 110/2024 aprofunda-se nos processos de autorização e funcionamento dessas entidades no Brasil. O Bacen propõe um modelo de licenciamento que seguirá etapas rigorosas de análise, com requisitos que incluem comprovação de capacidade financeira, estrutura de governança compatível e a adoção de medidas de compliance voltadas à prevenção de crimes financeiros.
A exigência de um processo de autorização formal reflete a estratégia de alinhamento do Brasil às práticas internacionais, aproximando-se do modelo adotado por reguladores como a Financial Conduct Authority (FCA), do Reino Unido, e a Securities and Exchange Commission (SEC), dos Estados Unidos. Essa abordagem visa evitar o ingresso de players desqualificados no mercado e garantir que as PSAVs operem com transparência e solidez financeira.
Outro aspecto relevante abordado na Consulta nº 110 é a exigência de auditorias regulares e demonstrações financeiras periódicas, garantindo que os reguladores e os clientes tenham acesso a informações detalhadas sobre a saúde financeira e a conformidade das PSAVs. Essa medida impõe um novo paradigma ao setor, que historicamente operou em um ambiente de menor supervisão.
Impactos das Novas Regulamentações no Compliance das Exchanges de Ativos Virtuais
Com a iminente implementação das novas normativas propostas pelo Bacen, as exchanges que atuam no Brasil precisarão reforçar suas estruturas de compliance, incorporando práticas mais rigorosas de governança e controle interno. Entre os principais desafios que surgem a partir das Consultas Públicas nº 109 e 110, destacam-se:
- Reestruturação Organizacional: Muitas exchanges precisarão readequar suas operações para atender à segmentação imposta pelo regulador, separando atividades de custódia e intermediação de ativos.
- Exigências de Capital e Transparência: Será necessário demonstrar capacidade financeira e adotar práticas de contabilidade e auditoria em conformidade com os padrões exigidos.
- Fortalecimento dos Procedimentos de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD): Com a maior supervisão regulatória, será crucial aprimorar os mecanismos de KYC (Know Your Customer) e due diligence.
- Adequação ao Processo de Autorização: As exchanges precisarão seguir um roteiro rigoroso para obter a licença de operação no Brasil, exigindo maior comprometimento regulatório e documental.
Diante dessas mudanças, torna-se essencial que as exchanges adotem uma abordagem estratégica para a implementação de suas políticas de compliance, garantindo que estejam preparadas para atender às novas exigências sem comprometer a eficiência operacional.
Conclusão
Este é um tema que demanda grande entendimento das operações de cada caso e é necessário a conferência do caso concreto para a melhor orientação.
Como se pode verificar, apesar de o Bacen estar desenvolvendo o regulamento geral das atividades com ativos virtuais (não sabemos se vai ser esta a nomenclatura), atualmente é possível preparar uma Exchange para o compliance com as leis já existentes conforme acima esclarecido.
É importante que os profissionais e empresas atuantes nesse setor tenham em seu ecossistema de parceiros, profissionais já experimentados neste terreno e que possam emitir direções de modo que estar em conformidade seja um benefício para seus negócios abrindo portas para maiores oportunidades.
Nossa equipe é referência neste campo de atuação e pode ser uma chave importante para atravessar desafios de forma alinhada à legalidade e preparando uma Exchange para as disposições do Bacen.